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Opinião: Quando os pais são mais infantis do que os filhos, por José Brissos-Lino

4 janeiro 2019

Vivemos tempos estranhos, em que alguns pais revelam menos maturidade e menor adaptação social do que os seus filhos, como se, no fundo, quisessem trocar de lugar com eles. São os equívocos da parentalidade

Todos conhecemos o mau comportamento de alguns pais de crianças praticantes de futebol infantil, que por vezes chega ao ponto de haver treinadores que exigem a sua ausência das bancadas. Eles xingam os árbitros, os próprios filhos e vão pedir contas aos treinadores quando não os inserem na equipa titular de cada jogo. Um mau exemplo. Uma vergonha. Ainda agora uma festa de Natal de uma escola básica italiana em Gela, na Sicília, acabou com as crianças aterradas e a chorar devido a uma luta entre duas mães.

O jornal Corriere della Sera conta que tudo começou quando duas mulheres se desentenderam por causa do melhor lugar para filmarem os petizes na peça de teatro no palco. Seguiu-se um arraial de socos, pontapés e bofetadas, envolvendo os familiares, o que terá provocado a fuga de outros pais com os filhos de asas de anjo nas costas, a chorarem.

Mas podíamos falar também da verdadeira aberração dos concursos de beleza infantil, nos Estados Unidos, onde as meninas são penteadas, maquilhadas, vestidas e adornadas de forma profissional, como se de mulheres adultas se tratasse, numa erotização doentia que deve ser a delícia dos pedófilos voyeurs.

Trabalhei em clínica psicológica durante muitos anos, como psicoterapeuta. Uma das conclusões a que mais depressa cheguei foi que no caso de muitos dos pais que levam os filhos ao psicólogo devido aos seus comportamentos incomuns, na realidade deveriam ser mesmo eles – os pais – a fazer terapia. O problema não se encontra nos filhos, a não ser como reacção a alguma disfunção parental.

O caso do futebol é paradigmático da cultura de competição doentia a que alguns pais sucumbem. Por outro lado há sempre a ambição financeira transformada em esperança de que o rebento venha ser um novo CR7 e lhes encha os bolsos de milhões. Ou, ainda, a velha questão da projecção pessoal dos pais nos filhos, a quem exigem que cumpram o sonho que a vida não lhes permitiu realizar, ou para o qual lhes faltou o engenho e a arte. Esta transferência torna-se uma pressão injusta e inadequada sobre crianças que apenas desejam desfrutar da sua infância, como seria normal e salutar.

E que dizer das crianças-soldado em África, ou das crianças-bomba do jihadismo, ou das crianças usadas a mendigar por conta de terceiros, ou das meninas iniciadas no comércio da carne branca?

Sabemos que não há escolas de pais. A parentalidade aprende-se com a prática e a observação. Também sabemos que há demasiadas crianças que vieram a este mundo apenas porque sim, sem nunca terem integrado qualquer propósito de vida dos progenitores, sendo consideradas e tratadas por eles como autênticos empecilhos. Sabemos, ainda, das dificuldades em criar filhos em países que não investem em políticas de natalidade.

A perspectiva hebraica sobre os filhos era um assunto sério. Desde logo porque eram valorizados. Embora a criança como figura jurídica não tivesse relevância na sociedade do Antigo Israel (como de resto nas culturas da época), a verdade é que a descendência era sempre bem-vinda, as mulheres estéreis eram consideradas amaldiçoadas por Deus e os filhos vistos como uma bênção do Senhor: “Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão” (Salmo 127:3). Ao contrário dos romanos, os judeus não praticavam o infanticídio. Também não praticavam rituais de sacrifícios humanos à divindade, ao contrário do deus amonita Moloque, em honra de quem se sacrificavam crianças no fogo.

Mas a educação das crianças era igualmente considerada fundamental. Salomão dizia: “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele” (Provérbios 22:6).

O cristianismo foi beber o respeito pela vida dos filhos ao judaísmo e aprofundou-o. O Deus encarnado não surge na História já em fase adulta ou chegado num disco voador, mas nascendo como bebé, no ventre duma mulher do povo, a quem pastores e cientistas (astrónomos do Oriente, os chamados “reis magos”) prestaram tributo, elevando assim a dignidade intrínseca da criança, enquanto sujeito social. A igreja primitiva também prestava atenção às crianças. Lucas fixa a importância da descendência na parábola do Filho Pródigo. Paulo ensina os pais a não provocar os filhos à ira (Efésios 6:4) e os filhos, por sua vez, a obedecerem e honrarem pai e mãe (6:1-2). O centurião convertido em Filipos foi baptizado, ele e a sua casa, isto é, toda a família, o que incluía a prole e os escravos (Actos 16:33).

Na herança cultural judaico-cristã os filhos não são considerados objectos ou empecilhos, mas pessoas revestidas de dignidade e relevância, sendo a sua educação levada muito a sério. Convenhamos. Todos os seres humanos chegados a este mundo precisam e merecem ter pais que sejam de facto adultos e não garotos imaturos.

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