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20 valores para a liderança que opta pela tolerância.

“Retrato de Família” de alunos com o Professor Fabrizio Boscaglia, registando para a posteridade uma experiência inédita: um curso da Universidade Lusófona, da Área de Ciência das Religiões, destinado aos líderes muçulmanos e sobretudo à promoção da paz.

A foto, afinal é mais um registo de um curso que demonstra “uma maturidade que se revela numa cidadania muito interessada”.

Frei Bento Domingues, primeiro director da Licenciatura em Ciência das Religiões na Un. Lusófona, acaba de ser agraciado com o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho.

Frei Bento Domingues, primeiro diretor da Licenciatura em Ciência das Religiões na Un. Lusófona, acaba de ser agraciado com o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho.

Através do site 7MARGENS, pela pena de António Marujo, ficamos a saber da base da justificação desta distinção: Frei Bento é, “por certo, o maior teólogo” da Igreja Católica em Portugal e é uma “voz grande da cultura portuguesa”, afirmou Moisés Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Un. do Minho.

Figura marcante da nossa sociedade, Frei Bento Domingues nunca desistiu duma atitude interventiva, questionadora e inquietante. Quando em 2012, Julieta Mendes Dias e Paulo Mendes Pinto levaram a cabo um volume de homenagem a este teólogo, o título foi: Frei Bento Domingues e o incómodo da coerência (Paulinas Editora). Frei Bento é incómodo e é coerentemente incómodo.

Longo seria o historial das atividades e das atitudes de Frei Bento. Na década de “década de 1990, chegou a ser convidado pelo então reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP), padre Isidro Alves, para professor da respetiva Faculdade de Teologia e membro da equipa da revista teológica Communio. “Pedi-lhe garantia de que teria plena liberdade de ensino e ele respondeu que não o poderia fazer. Por isso, disse-lhe que não ia. Se fosse, corria o risco de perder um amigo e isso eu não queria”. A liberdade de pensamento e de consciência é a ferramenta da sua coerência. Como afirmava, “Tive sempre relação com universidades, mas as não-confessionais”.

Quando em 1997 a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias pediu a Frei Bento Domingues que dirigisse o projeto de Ciência das Religiões, fê-lo na plena consciência de quem tinha à frente. Com uma vida cívica de já, então, mais de quarenta anos, e com um caminho teológico na mesma escala, Bento Domingues era uma figura ímpar da cultura portuguesa, e a marca a deixar no projeto seria inevitavelmente forte. A liberdade de pensamento por ele e pelo Pastor Dimas de Almeida, seu companheiro no arranque desse projeto, perduram até hoje como marca no nosso ADN. Por esse projeto único, a Universidade Lusófona atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Reconhecimento e Mérito, a 19 de Janeiro de 2005.

Opinião: “Gandhi gostava de Cristo, mas nem tanto dos cristãos” por José Brissos-Lino

Getty Images

Gandhi é um dos três nomes incontornáveis na galeria dos construtores da paz e da luta contra as injustiças sociais no século XX, juntamente com o americano Martin Luther King e o africano Nelson Mandela.

O Expresso teve a feliz ideia de publicar “A Minha Vida e as Minhas Experiências com a Verdade”, um livro de memórias do dirigente indiano e pai da independência da Índia, a jóia da coroa do Império Britânico, que acabou de redigir na prisão. Nele Gandhi expressa amplamente as suas impressões não só sobre o seu percurso pessoal e história familiar, mas também dúvidas, temores e reflexões filosóficas e religiosas sobre a vida, a sociedade, a política e a cultura. Trata-se dum interessante relato do seu processo de auto-realização enquanto ser humano.

Gandhi começa por se apresentar como crente em Deus, mas é sincero ao ponto de assumir que anda à Sua procura: “ainda não O encontrei, mas continuo a procurá-Lo”. E mantém uma notável atitude de humildade ao declarar: “rezo para que ninguém considere definitivas as opiniões deste livro”.

A persistência e o empenho no caminho da verdade na perspectiva hinduísta (Satyagraha) acabou por conduzi-lo à prática do Ahimsa, ou princípio da não-violência, que o tornou conhecido em todo o mundo e que o orientou nas lutas políticas, tanto na África do Sul, onde apelou à desobediência civil em massa, a fim de defender os direitos dos indianos, como, mais tarde, de volta à Índia, tanto na luta por reformas político-sociais que promovessem a dignidade e as condições de vida das populações, como na luta pela independência da Grã-Bretanha através de métodos pacíficos.

É curioso ler como aconteceu o contacto do jovem Gandhi com o protestantismo em Inglaterra e na África do Sul, e entender como era complicado a um hindu apreender a doutrina cristã, embora o Sermão da Montanha lhe tivesse falado “directamente ao coração”. Ele, que desenvolvera inicialmente aversão pelo cristianismo (a religião da potência colonial) apesar de admirar francamente a figura de Jesus Cristo.

Instituída pela ONU em 2010 e assinalada desde 2011, na primeira semana de Fevereiro de cada ano, a Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa (“World Interfaith Harmony Week”) destina-se a contribuir para a promoção de uma cultura de paz e não-violência, a cooperação inter-religiosa e intercultural, o diálogo entre civilizações, a compreensão, respeito mútuo e a eliminação de todas as formas de intolerância, discriminação e fundamentalismo.

Norman Rockwell expôs na sua obra Golden Rule (“Regra de Ouro”), publicada em 1961, um famoso princípio de harmonia entre as diferentes religiões, confissões e crenças, e que integrou o icónico mosaico oferecido às Nações Unidas, em 1985, pela primeira-dama Nancy Reagan em nome dos Estados Unidos: “Faz aos outros o que gostarias que te fizessem”. Eis um princípio moral presente em praticamente todas as religiões e culturas como regra fundamental de vida.

A ética da reciprocidade mais conhecida na cultura ocidental é a que foi pronunciada por Jesus Cristo, no Sermão do Monte: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles” (Mateus 7:12). Mas existem enunciações semelhantes noutros contextos religiosos, como é o caso do Judaísmo: “O que é odioso para ti, não o faças ao próximo”, ou no Confucionismo: “Não façais aos outros aquilo que não quereis que vos façam” (Confúcio), mas também no Zoroastrismo: “Aquela natureza só é boa quando não faz ao outro aquilo que não é bom para ela própria” (Dadistan-i-Dinik 94:5), no Hinduísmo: “Esta é a suma do dever: não faças aos outros aquilo que se a ti for feito, te causará dor” (Mahabharata 5:15:17), ou no Budismo: “Não atormentes o próximo com o que te aflige” (Udana-Varga 5:18).

É estranho que tal denominador comum presente nas religiões em geral não funcione como princípio de tolerância, compreensão e aceitação entre os povos. Trata-se dum princípio simples, lógico e razoável que permitiria construir pontes em vez de muros entre comunidades com concepções diferentes da vida e da transcendência. Luther King tinha inteira razão quando proferiu a célebre frase: “Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos.”

É certo que a resposta de Jesus de Nazaré vai muito mais longe do que a ética da reciprocidade, quando estimula a “dar a outra face” (Mateus 5:39), a “dar também a capa” (40), a “caminhar mais uma milha” (41) e explica que os que choram serão consolados, por isso são felizes (Mateus 5:4). Ou então a de S. Paulo, que ensina a “suportar o dano” (1 Coríntios 6:7), porque o amor tudo sofre (13:7). Mas isso merece uma outra reflexão.

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“Vicissitudes da educação teológica“: Laboratório de Investigação do Mestrado em Ciência das Religiões

Laboratório de Investigação do Mestrado em Ciência das Religiões

A próxima sessão do Laboratório de Investigação do Mestrado em Ciência das Religiões (“Religiões & Espiritualidades”) decorrerá no dia 19 de Fevereiro (terça-feira), das 12H30 às 13H15, no CIPES, Sala C.1.38. aonde o Dr. Orlando Martins apresentará parte da sua investigação através da palestra “Vicissitudes da educação teológica“, seguida de debate.

Trata-se dum espaço de informalidade, composto por um primeiro tempo em que um orador fará a exposição de temática ligada a uma investigação em curso, durante cerca de 20 minutos e um segundo período, de tempo idêntico composto por diálogo e intercâmbio de experiências com uma audiência interessada, através de achegas, comentários e perguntas.

Pretende-se que este espaço seja dinâmico e cumpra funções de formação, debate, reflexão crítica e partilha de saberes e experiências para investigadores. Convida-se à participação dos alunos de Ciência das Religiões (actuais e antigos).

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019

José Brissos-Lino, O Director do Mestrado

Fernando Pessoa: Hermetismo, Gnose e Alquimia (16 fev.)

«Fernando Pessoa: Hermetismo, Gnose e Alquimia» é o título da III Jornada de História, Filosofia Hermética e Património Simbólico, a decorrer em Oeiras a 16 de fevereiro de 2019.

Apresentações e conferências de investigadores sobre o espólio hermetista, gnóstico e rosacruz de Fernando Pessoa, durante o sábado, dia 16 de fevereiro, no espaço da Galeria Municipal Verney.

A Linha de Investigação em Gnose e Esoterismo Ocidental, da área de Ciência das Religiões da Un. Lusófona homenageia Fernando Pessoa nesta terceira edição das Jornadas de História, Filosofia Hermética e Património Simbólico, colocando em foco a importância das heranças do Hermetismo, do pensamento gnóstico, da filosofia alquímica na obra pessoana, especialmente naquilo que tem vindo a ser trazido à luz do dia do imenso espólio de produção literária e filosófica.

Porque Fernando Pessoa se definia como “cristão gnóstico”? Porque dedicou tantos poemas à alquimia rosacruz, e à compreensão hermética e neoplatónica da vida? Porque veio a público em defesa da maçonaria? Nestas Jornadas iremos conhecer o trabalho dos investigadores na área do pensamento pessoano.

Informação e Inscrições

Al-Andalus, Judaísmo e Islão em debate em Londres

Dois investigadores da Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, nomeadamente os professores Fabrizio Boscaglia e Filomena Barros, são convidados enquanto oradores no workshop intitulado  Islam and Judaism in the cultural memory of Spain and Portugal, II: Re-Visioning Iberia, a decorrer em Londres a 21 de fevereiro, no contexto do projeto Language Acts and Worldmaking, coorganizado pelo King’s College de Londres.

Programa
Mais informações

“A área de Ciência das Religiões produziu um documento que se pode considerar histórico”

A área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona produziu um documento que se pode considerar histórico, e que foi assinado por representantes de todas as confissões religiosas em Portugal em Vila Nova de Gaia, durante a primeira versão do evento Gaia – Todo Um Mundo, o Compromisso pela Casa Comum e pela Ética do Cuidado.

Estávamos em Junho de 2017 e o ato passou praticamente despercebido na comunicação social.

Joaquim Franco recupera a memória do evento neste texto onde disserta sobre temática mais vasta.

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Opinião: «Jornadas Mundiais da Juventude. O que Lisboa e o Mundo têm a ganhar.»

Fui surpreendido, há dias, com esta pergunta: que diferença há entre acolher as Jornadas Mundiais da Juventude ou o Mundial de Futebol?

É verdade que ambos os eventos são planetários, trazem muita gente, fazem mexer uma grande máquina, exigem uma preparação ao milímetro, têm impacto social, implicam e envolvem também autoridades civis… mas são muito diferentes.

A honra, prestígio e responsabilidade de os organizar estarão, na minha perspetiva, no mesmo patamar.

Vivo por dentro este acontecimento juvenil da Igreja católica desde 1997. Chegara eu de Angola, estava a terminar o curso de Comunicação Social na Católica e coordenava já os Jovens Sem Fronteiras (JSF), movimento juvenil missionário. Fui até Paris, de autocarro cheio, com JSF de Portugal e também jovens vindos de Cabo Verde. A experiência foi única para todos, a começar pela riqueza da diversidade que se ganhou numa ida e volta longa, mas feliz. Afinal de contas, o encontro de povos e culturas foi-se fazendo já na estrada!

Paris, a cidade das Luzes, atraia os jovens e, por isso, foi fácil – ou talvez nem tanto – juntar um milhão, ultrapassando todas as estimativas mais bondosas da organização. Não quero perder-me por Paris, mas eu e este milhão percebemos algumas coisas importantes: a Igreja é sem fronteiras, tem todas as raças e cores, é espaço muito plural e criativa. Isto tudo foi experimentado nos workshops, nas exposições, nos concertos, nas celebrações. Finalmente, sentimos ali o vibrar do coração de uma Igreja unida em torno de uma figura emblemática: João Paulo II.

Depois de Paris não parei de ‘viver’ as JMJ. Ajudei a preparar e enviar jovens para Roma (2000), Colónia (2005), Madrid (2011), Rio de Janeiro (2013) e Cracóvia (2016). Este meu compromisso derivou do facto de estar na coordenação dos JSF (até 2012) e na Equipa do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil (até 2017). Desde sempre – posso confirma-lo com segurança – Portugal quis acolher umas JMJ. A ideia corrente de que somos um país pequeno nunca foi razão suficiente para que este evento mundial nos fosse negado. Eu estava convencido de que seria em 2016, aproveitando o centenário das aparições de Fátima, mas Cracóvia ganhou à vontade pois eram os 30 anos das JMJ e Roma queria prestar homenagem ao seu ‘pai’, João Paulo II, o antigo Cardeal de Cracóvia.

As JMJ nasceram com um projeto muito claro, o de dar visibilidade à presença e intervenção dos jovens na Igreja Católica. João Paulo II lançou a iniciativa a nível de Roma (1986), um autêntico balão de ensaio. Depois ‘invadiram’ o resto da Igreja como ondas, escolhendo-se sempre uma praia de ‘rebentamento’. Assim, Santiago de Compostela, Buenos Aires, Manila, Czestochowa, Denver, Paris, Roma, Toronto, Colónia, Sidney, Madrid, Rio de Janeiro, Panamá…ou seja, os quatro cantos do mundo. Lisboa é a praia que se segue…

O Papa Francisco insiste muito na ideia de uma Igreja em saída, na direção das periferias e margens onde vivem os mais pobres. D. José Tolentino de Mendonça, numa crónica do Expresso, recordava que Cristo sempre foi um homem periférico! E esta convicção esteve bem presente na visita do Papa ao campo de extermínio nazi de Auschwitz (Polónia, JMJ 2016) bem como na ida este ano à  prisão de jovens no Panamá. Há gestos que também falam desta vontade do Papa Francisco pôr as novas gerações cristãos atentas às violações dos direitos humanos: encontrou-se com jovens refugiados antes de sair de Roma, visitou e confessou na cadeia no Panamá, mandou parar o seu carro para abençoar um jovem em cadeira de rodas e abraçar uma senhora invisual de 99 anos. São gestos ‘à Papa Francisco’ que os jovens deveriam ‘seguir’, porque integrados já no âmbito das JMJ.

As JMJ querem dar protagonismo aos jovens na Igreja. É uma guerra antiga sem cessar fogo à vista, mas este Papa, nas Jornadas, não se cansa de dizer que os jovens são jogadores de futebol num estádio onde nem há bancada nem banco de suplentes: todos são titulares e devem saltar dos sofás cómodos de casa para o estádio da Missão junto dos mais pobres. Disse isto em Cracóvia e voltou a repetir no Panamá ao afirmar que os jovens não são o futuro, mas o presente da Igreja.

E agora Portugal, e agora Lisboa?

O filme que promove as JMJ em Lisboa já diz muito: aparecem o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o Cardeal Patriarca a dar as boas vindas aos jovens. Todos parecemos interessados no evento aqui. Mas convém não esquecer que se trata de um acontecimento da Igreja Católica e compete a ela traçar o programa e organizar. Haverá um lema, as famílias do país inteiro serão convidadas a abrir as casas e acolher os jovens, as comunidades católicas vão empenhar os seus jovens numa reflexão sobre o ser cristão hoje, serão preparadas catequeses, multiplicar-se-ão pelo país encontros, cuidar-se-à da logística.

Mas, para mim, as JMJ só serão uma aposta ganha se Portugal ganhar no seu todo. Os valores que a Igreja defende em teoria (embora nem sempre os consiga pôr em prática) são a justiça, a paz, o amor e a alegria. Ora, a sociedade portuguesa (e, em particular, os seus jovens) precisa de crescer numa cidadania responsável onde estes valores são decisivos. Envolver o país todos (sobretudo as novas gerações) numa dinâmica em que estes valores sejam discutidos e assumidos pode ser o valor acrescentado destas JMJ em Portugal. Há que construir um futuro com mais justiça, mais reconhecimento da riqueza da diversidade, mais acolhimento ao estrangeiro, mais fraternidade, mais igualdade social, mais ecologia integral, mais e melhor educação e cultura, mais compromissos de cidadania ativa e responsável. E se há dimensão a não esquecer é a da Lusofonia, a que sou particularmente sensível e que foi bastantes vezes referida.

Além disso, como aconteceu com os Encontros de Taizé em Lisboa (2005) e no Porto (2010) e seguindo a tradição dos Fórum Ecuménicos Jovens, estas JMJ podem ajudar a dar um grande salto Ecuménico em Portugal. O Papa Francisco, a este nível, dá-nos lições de excelência. E gostaria de ver repetida a simbólica experiência do Panamá onde as comunidades Islâmica e Judaica apoiaram as JMJ.

As JMJ juntam uma enorme oportunidade e alguns riscos. Pode organizar-se um evento sem cor, com muita festa e organização, mas sem o essencial: passar para o ‘planeta jovem’ a urgência cristã de construir um mundo sem muros e cheio de pontes. Este é coração do Evangelho e o foco da Missão da Igreja segundo o papa Francisco.

Tony Neves
Coordenador ‘Justiça e Paz’ dos Espiritanos
Roma

Opinião: Deus pode ir de férias… por José Brissos-Lino

A denominada Teologia da Prosperidade começa a dar lugar à Teologia do Coaching em determinados círculos cristãos. Substituiu-se a fome pela vontade de comer. Sendo assim, Deus pode ir de férias…

A chamada teologia da prosperidade – um fenómeno religioso de origem norte-americana – tem causado inúmeras divisões e confusões no mundo evangélico à escala global. Nos últimos anos muitos dos seus profetas foram desacreditados e outros admitiram erros doutrinários significativos. A partir dos anos setenta o neopentecostalismo agarrou com unhas e dentes esta doutrina, com resultados nefastos para as populações das periferias, os mais pobres, menos esclarecidos e os desesperados.

A ideia do sucesso aqui e agora, para todos, com base na contribuição financeira e numa espécie de fezada só vai acrescentando ilusão ao desespero. Esta teologia ajudou a redefinir o campo religioso protestante, a sua relação com a lógica do mercado neoliberal e a aspiração de ascensão social de muitas pessoas, afastando-se da ética protestante da modernidade analisada por Weber.

Mas agora a nova moda é a Teologia do Coaching, que se vem a instalar nestes meios religiosos como substituta da prosperidade. A pregação do Evangelho, que anteriormente já tinha cedido lugar ao discurso da prosperidade fácil, transformou-se agora numa arenga de auto-ajuda. O coaching é um conjunto de recursos, técnicas e ferramentas de administração, psicologia, neurociência, gestão de recursos humanos e planeamento estratégico, entre outros, com vista a atingir os resultados desejados tanto a nível profissional, social e familiar, como espiritual e financeiro. A ideia é que um profissional ajude a despertar o potencial da pessoa com vista a obter tudo o que deseja. Só que evangelho e fé cristã não combinam com coaching.

E aí temos o mercado das palestras motivacionais. Parece que a nova religião do homem moderno é o empreendedorismo. De matriz materialista, ela substituiu os santos do altar por fotografias de homens de sucesso, e os seus livros sagrados são os de auto-ajuda. O objetivo desta cultura é o sucesso, seja lá o que isso for! O problema é que o coaching tem uma vocação civil e não religiosa. As palestras motivacionais em contexto religioso são centradas no indivíduo, confundem fé com força de vontade, e evangelho com motivação.

O foco está no que a pessoa pode conseguir através da sua fé. Por outro lado o coaching dá corpo à ambição de conquistar bens materiais ou espirituais num processo de autoafirmação, ao contrário da proposta do evangelho, que é auto-exame e negação de si mesmo. O pastor torna-se uma espécie de coach, procurando ir ao encontro do que as pessoas querem ouvir, afagando-lhes o ego, estimulando nos membros da comunidade de fé o seu potencial para que eles alcancem tudo o que desejam.

Ou seja, vende-se a ideia de que o potencial dos indivíduos é ilimitado e podem conquistar tudo o que querem, se fizerem muita força… Este existencialismo humanista-materialista procura responder à busca pessoal pelo significado da vida, tornando-se o âmago do pensamento filosófico. Enquanto a teoria da prosperidade regateia com Deus para que faça milagres de cariz físico, material e espiritual (Perelman e Olbrechts-Tyteca estudaram há muito os seus recursos retórico-argumentativos), a teologia do coaching afasta Deus da cena para se concentrar no potencial humano, mitificando-o.

Comparando esta filosofia com as Escrituras, vemos como o profeta Jeremias falou a um povo orgulho e que confiava em suas próprias forças e “tradição espiritual”: “Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor, e ajo com lealdade, com justiça e com rectidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado” (9:23,24). E acrescenta mais à frente: “Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor” (17:5-7).

No Novo Testamento não é diferente, se lermos Tiago: “Ouçam agora, vocês que dizem: ‘Hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro’. Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Ao invés disso, deveriam dizer: ‘Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo’. Agora, porém, vocês se vangloriam das suas pretensões. Toda vanglória como essa é maligna” (4:13-16)

É bom que um cristão tenha sucesso profissional e financeiro, desde que isso não seja o centro da sua espiritualidade. Mas por que razão será agora necessário um “treinador” para ensinar os cristãos a viver? Já não chegam os recursos da oração, do estudo e meditação nas Escrituras, o apoio e orientação dos líderes espirituais e os benefícios da comunidade de fé? Se a teologia da prosperidade faz de Deus nosso criado, a do coaching faz do homem o centro do universo. E aí, Deus já pode ir de férias.

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Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa | Visitas Guiadas a Templos | 9 e 10 FEV

Lisboa tem acolhido ao longo da sua história uma diversidade religiosa, de tolerância e diálogo, entre o exercício da liberdade religiosa e o exercício dos Direitos Humanos.

No âmbito da implementação do Plano Municipal para a Integração de Migrantes em Lisboa 2018-2020, a CML uniu esforços à Universidade Lusófona e a propósito da Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa 2019, promovem visitas acompanhadas a espaços religiosos de diferentes confissões durante o fim de semana de 9 e 10 de fevereiro.

Mais de que conhecer as diversas religiões e a sua espiritualidade, pretende-se com estas visitas fornecer ferramentas que permitam compreender o mundo e possibilitem a reflexão, o diálogo e o crescimento da cidadania participativa e consciente.

O ponto de partida e chegada para os roteiros será o edifício central da CML no Campo Grande. As inscrições são gratuitas, limitadas às vagas existentes, e deverão ser feitas para sofiasousaclarocr@gmail.com. O almoço poderá ser livre ou, se optar pelo almoço do roteiro, terá um custo de 10€.

Dia 9 de fevereiro

  • 10h00 – Partida do edifício central da CML no Campo Grande (Campo Grande, Nº 23/27 B, Lisboa)
  • 10h30 – Visita Guiada ao Templo Hindu (Alameda Mahatma Gandhi, Nº 12, Lisboa)
  • 12h00 – Almoço no Templo Hindu
  • 15h00 – Visita Guiada ao Centro Ismaili (Av. Lusíada, Nº 1, Lisboa)
  • 17h30 – Regresso ao edifício central da CML no Campo Grande (Campo Grande, Nº 23/27 B, Lisboa)

Dia 10 de fevereiro

  • 10h30 – Partida do edifício central da CML no Campo Grande (Campo Grande, Nº 23/27 B, Lisboa)
  • 11h00 – Adventistas do 7º Dia (Rua Joaquim Bonifácio, Nº 17, Lisboa)
  • 12h00- Visita Guiada à Mesquita Central (Rua da Mesquita, Nº 2, Lisboa)
  • 13h00- Almoço na Mesquita Central
  • 14h00- Visita Guiada à Igreja Lisbonense (Rua Febo Moniz 17, Lisboa)
  • 17h00 – Regresso ao edifício central da CML no Campo Grande (Campo Grande, Nº 23/27 B, Lisboa)

Debate “Os desafios da diversidade religiosa em Lisboa” | 8 FEV | Biblioteca São Lázaro

Apresentação da Formação de Professores «Todos Diferentes, Todos Cidadãos»

No âmbito da World Interfaith Harmony Week irá realizar-se o Debate “Os desafios da diversidade religiosa em Lisboa” no dia 8 de Fevereiro pelas 18h00, na Biblioteca de São Lázaro, a propósito do lançamento da Formação de Professores «Todos Diferentes, Todos Cidadãos».

Abertura com Margarida Martins (Presidente da Junta de Freguesia de Arroios)

Os intervenientes

Alexandre Honrado
Investigador da área de Ciência das Religiões da ULHT
Ptor. João Pedro Robalo
Igreja ICTUS
Lorrama Machado
Secretaria de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos do Rio de Janeiro
Paulo Mendes Pinto
Cood. área Ciência das Religiões da ULHT

Opinião: “Moçambique: a religião como cortina de fumo” por José Brissos-Lino

John Wessels

Afinal o que se passa no norte de Moçambique? Desde Outubro de 2017 mais de duzentas pessoas foram mortas por um grupo terrorista islâmico conhecido como “Al Shabaab moçambicano”, possivelmente ligado à organização terrorista original. Quem está por detrás deles e o que os motiva realmente?

Diga-se desde já que boa parte dos muçulmanos daquele país da África Austral não apoia as acções terroristas perpetradas em nome de Alá, que instalaram uma cultura de medo e terror na região, dado o impacto da violência extremista islamita sobre as populações cristãs e muçulmanas.

Apesar da pressão do Estado para suprimir o tribalismo e o regionalismo, o percurso histórico revela que no norte de Moçambique a etnia Maconde ainda exerce grande controlo social, sendo uma das mais prósperas e influentes da região, que conta com vários generais e o presidente Nyusi. Embora os Maconde tendam a seguir mais a fé católica, alguns dos que são muçulmanos vivem entre o norte de Moçambique e sul da Tanzânia, e outros tendem a abraçar a feitiçaria, envolvida com poderes sobrenaturais, ao contrário doutros países tribais que se dedicam ao culto ancestral.

Segundo Pabst: “Proporcionalmente, enquanto mais da metade da população de Cabo Delgado é muçulmana, o restante é católico romano e de outras denominações cristãs. Entre a população muçulmana, há uma crescente preferência pela lei da sharia, ‘algo que provavelmente não será popular numa província religiosamente diversificada como Cabo Delgado”.

Foi este povo que iniciou a luta pela independência de Moçambique em 1961, tendo resistido ferozmente à presença portuguesa. De acordo com Funada-Classen, desde esse tempo que os anciãos macondes moçambicanos “tinham uma extensa rede e ligações com os Maconde em Tanganica, Tanzânia, e tais laços eram suficientemente fortes para partilhar informação política”. A província de Cabo Delgado tem-se revelado uma região sensível no sentido de desencadear violência política, não só porque as suas populações têm um espírito independente, como pelo facto de interagirem facilmente com os seus irmãos tribais na Tanzânia. A campanha de ataques a esquadras de polícia e edifícios civis e governamentais passou rapidamente a visar aldeias e igrejas. Daí resultaram centenas de prisões.

A região apresenta a maior taxa de iliteracia de Moçambique (em Palma chega aos 90%), uma elevada taxa de desemprego, principalmente jovem, uma forte presença do crime organizado e corrupção, tráfico de droga, armas, rubis, madeira e marfim, além de conflitos étnicos, nomeadamente entre os mwani, os maconde e os makua.

Moçambique descobriu que pode vir a tornar-se em breve um grande exportador de gás natural liquefeito, mas se não conseguir resolver a questão da segurança no norte poderá transformar-se em foco de grande instabilidade. Talvez isso explique alguns apoios inusitados, como o do empresário sul-africano André Hanekom, acusado de financiar ataques na região, e que morreu há poucos dias. Hanekom estava em Moçambique desde 2012, trabalhava na área do transporte marítimo na província de Cabo Delgado, e tinha sido detido em Setembro.

Muitos dos mortos e deslocados devido ao terrorismo islâmico são cristãos, como por exemplo os dez jovens que foram decapitados em Junho passado. Naquela manhã de domingo, fiéis e pastores fugiram para salvar a vida e famílias inteiras esconderam-se nas florestas. As aldeias foram queimadas assim como os meios de subsistência. Até animais domésticos como cães e gatos foram abatidos. Tudo isto está documentado. O meu amigo Rev. Fernando Caldeira da Silva, profundo conhecedor do país, adianta: “Num seminário que realizei com minha esposa em 5 de Agosto de 2018, conversámos com vários pastores de comunidades cristãs cujos membros foram afectados por violência e assassinatos.

Surpreendentemente, todos eles mostraram coragem para continuar o seu trabalho evangelístico e plantar novas igrejas. Eles disseram: ‘Se morrermos, morremos por Cristo.’ Numa entrevista foi-nos dito que muitos cristãos estavam com medo no início, todavia muitos deles voltaram a reconstruir as suas casas. Os cristãos em geral estão a orar fervorosamente, dispostos a testemunhar a fé em Jesus e a estabelecer novas igrejas sob as árvores.”

A motivação que está por detrás dos assassinatos e violência no norte do país é uma ambição em obter lucro fácil com o tráfico e as riquezas naturais. Para isso tentam estabelecer um controlo crescente sobre toda aquela área, com elementos que foram radicalizados em duas mesquitas de Mocímboa da Praia – entretanto encerradas pelo governo – de modo a, no futuro, tentar impor a lei da sharia.

Como muitas vezes acontece, atrás deste jihadismo estão afinal interesses económicos inconfessáveis, escondidos na cortina de fumo da religião, como gato com o rabo de fora. O extremismo religioso é só um instrumento.

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