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Artigo de Opinião: Diz a História que os cristãos odeiam os judeus. Será?

6 dezembro

A sina dos judeus é serem expulsos de todo o lado. Povo escolhido ou não, o certo é que, sem culpa, acabam quase sempre por se tornar vítimas do próprio sucesso. Veja-se quantos vencedores do Prémio Nobel são de origem judaica

Há oitenta anos ocorreu a chamada “noite de cristal”, o início do horror nazi para as famílias judaicas de Berlim. Mas a verdade é que na base ideológica de tal ignomínia está o pensamento deformado de alguns teólogos cristãos a quem Hitler terá ido beber a inspiração para o seu maior crime contra a humanidade, de Justino a Agostinho, passando por Hipólito, Orígenes e Crisóstomo. Na sua “Cidade de Deus” Agostinho afirma que “os judeus carregam eternamente a culpa pela morte de Jesus.” Assim mesmo, sem perdão.

Durante a Primeira Cruzada (1095), na Idade Média, estima-se que cerca de um quarto a um terço da totalidade da população judaica da Alemanha e Norte de França foi assassinada. Os 969 judeus que se trancaram na principal sinagoga de Jerusalém para fugir dos cavaleiros cruzados foram consumidos pelo fogo. Bodes expiatórios de desastres naturais como furacões, terramotos e pestes, era frequente condená-los à morte.

Em três cidades da Alemanha (Erfurt, Mainz e Breslau), mais de 10 mil foram executados por essa razão. Em 1389, três mil judeus foram massacrados porque um sacerdote que carregava a hóstia foi acidentalmente salpicado de areia por algumas crianças judias que brincavam. A Inquisição matou largos milhares de judeus. Só em Espanha foram queimados 30 mil marranos (judeus que eram obrigados a encobrir sua identidade religiosa). Bem diz uma velha máxima rabínica: “Todos os dias, a nossa vida recomeça de novo.”

Também o pai do protestantismo, o frade agostinho Martinho Lutero, dava largas ao seu profundo anti-semitismo na obra “Sobre os Judeus e Suas Mentiras” (1542), reconhecendo ao poder secular o direito de os perseguir e até matar, queimar-lhes as sinagogas e as casas, roubar-lhes o Talmude e os livros de orações, proibi-los de ensinar, sob ameaça de morte em caso de desobediência, tirar-lhes os passaportes e proibi-los de viajar ou de fazer negócios obrigando-os a trabalhos forçados. E acrescenta: “Deveríamos expulsar os preguiçosos velhacos para fora do nosso sistema. (…) Caros príncipes e nobres que têm judeus nos seus domínios (…), sejamos libertos desta insuportável carga diabólica - os judeus.”

A leste a situação não foi diferente. Em apenas dez anos (1648-1658) a Polónia assassinou entre 100 mil e 500 mil judeus, e no tempo dos czares Alexandre III e Nicolau II, houve vários pogroms (massacres organizados de judeus) na Rússia. Portanto, a postura era idêntica a ocidente como a oriente, entre católicos, protestantes e ortodoxos. Pode-se dizer então que as raízes desta barbaridade estão numa péssima teologia, e na inveja social.

Mas porque razão as igrejas alimentaram o anti-semitismo ao longo dos séculos, cometendo atrocidades inomináveis contra os judeus, em nome de Cristo? A ideia de condenar toda uma etnia pelo crime da crucificação de Jesus de Nazaré fez escola mas choca de frente contra o que o próprio fundador do cristianismo preconizou, quer quando colocou a responsabilidade pelo futuro individual nas escolhas pessoais do próprio indivíduo, no Antigo Israel, mas também pelos inúmeros exemplos que deu ao lidar com gentios, concedendo-lhes a graça da cura e da salvação, apesar de não pertencerem ao povo da Promessa. Qualquer pessoa que conheça minimamente o Novo Testamento sabe isso. Talvez o problema seja o da velha necessidade cultural de definir um inimigo, alguém a quem culpar pelos males do mundo e pelos nossos próprios fracassos.

Na prática creio que se trata duma má catequese, no sentido de vender uma ilusão em vez de contar a verdade. É que a intervenção dos romanos, de Pilatos ou dos judeus no processo de execução de Jesus Cristo é apenas circunstancial. O evangelista Mateus explica-o de modo claro quando diz que ele veio (encarnou) “para dar a sua vida em resgate de muitos” (20:28). Como Redentor, Jesus não morreu por azar, pela conjugação de circunstâncias ou por outra fatalidade, mas com o propósito de se tornar Agnus Dei (Cordeiro de Deus).

De acordo com um estudo internacional recentemente realizado pela CNN, os estereótipos anti-semitas continuam vivos na Europa, existindo um grande sentimento de antipatia pela comunidade judaica, e uma em cada vinte pessoas nunca ouviu falar do Holocausto. Simplesmente assustador. Como reza uma frase judaica: “O preconceito é uma doença do cérebro.”

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