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Opinião: Afinal, a mãe do rock’n’roll era mulher, negra e cristã por José Brissos-Lino

27 fevereiro 2020

Antes de Elvis, Little Richard, Johnny Cash, Carl Perkins, Chuck Berry ou Jerry Lee Lewis ela já era. A verdadeira mãe do rock’n’roll chamava-se Rosetta Tharpe e era negra, mulher e cristã.

Rosetta Tharpe (1915-1973) surpreendeu o mundo artístico no ano de 1937, com o seu primeiro disco, “Rock Me”, onde evidenciava uma voz poderosa, a que juntou uma grande presença em palco e um estilo único na guitarra, reunindo o gospel e o popular. Mulher, negra e cristã comprometida, a cantora e instrumentista americana tornou-se um ícone nos EUA, influenciando fortemente músicos como Elvis Presley, mas só foi homenageada décadas depois ao integrar o Hall da Fama do Rock ‘n’ Roll.

Rosetta Tharpe nasceu em Cotton Plant, Arkansas, sul dos Estados Unidos, entre plantações de algodão, onde os pais trabalhavam e a igreja protestante onde a mãe congregava. Parece ter herdado do pai o gosto pelo canto e da mãe a espiritualidade. Com seis anos a família mudou-se para Chicago, onde se destacou na música religiosa a cantar e tocar piano e guitarra. Convidada pela indústria fonográfica gravou o primeiro disco fundindo o gospel e a música popular americana, apresentando-se sempre como “irmã” (sister), uma espécie de marca pessoal. Não tardou que esta “ousadia” provocasse controvérsia no campo religioso.

A artista alcançou grande popularidade nas décadas de 30 e 40, graças à sua autenticidade e à originalidade de associar as letras espirituais do gospel à guitarra elétrica e ao andamento rítmico do rock, que ainda era incipiente naquela altura, tornando-se assim precursora do rock’n’roll. Rosetta foi a primeira grande estrela da música gospel e entre os primeiros músicos cristãos a apelar ao rhythm and blues e rock’n’roll, sendo mais tarde considerada “a madrinha do rock’n’roll”.

Em 2011 Mick Csáky realizou o documentário “The Godmother of Rock & Roll: Sister Rosetta Tharpe”, mas já em 2007 Gayle Wald publicara a biografia da artista “Shout, Sister, Shout!” O tema “Strange Things Happening Every Day”, gravada em 1944, foi a primeira música gospel no top 10 da Billboard. Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, gravaria mais tarde e em sua homenagem o tema: “Sister Rosetta Goes Before Us”. A cantora enfrentou a política segregacionista na década de 1950, quando fez uma tourné com os The Jordanaires, grupo de brancos que viriam a formar a banda de Elvis Presley anos depois.

O Rock‘n’Roll Hall of Fame, Cleveland, considera que Rosetta foi “a primeira heroína da guitarra do rock’n’roll”. Terá sido essa mesma guitarra que chamou a atenção do jovem Elvis Presley, ícone do rock que tinha apenas dois anos quando Rosetta lançava o primeiro disco. O instituto tem por hábito homenagear músicos importantes da história deste género musical, depois de consulta ao público, que escolhe cinco nomes, a que o instituto acrescenta mais um, a distinguir com a atribuição de prémio especial de reconhecimento pelo pioneirismo e influência. Sister Rosetta Tharpe foi a homenageada em 2018, devido ao seu papel histórico e vanguardista, um prémio excepcional que já distinguiu nomes como Louis Armstrong, Nat King Cole e Billie Holiday, entre outros.

Em 1968 Rosetta entrou em depressão logo depois do falecimento da mãe, tendo mais tarde contraído diabetes, ocasião em que a sua saúde começou a piorar seriamente, pois sofreu um derrame e teve de amputar uma perna. Em 1973 sofreu novo derrame o que a levou à morte, em Filadélfia.

Duas coisas ressaltam essencialmente do exemplo de vida desta mulher dos anos trinta. A primeira é que ela não desistiu da sua criatividade e pulsão empreendedora pelo facto de ser mulher, numa sociedade machista, de ser negra, num país que segregava os negros, e de ser pobre numa estrutura económica capitalista. A sua capacidade de inovação e de correr riscos estéticos não se deteve sequer pelo facto de naquele tempo não ser normal uma mulher tocar guitarra, o que fazia de forma exímia. Não dispunha de telefone, nem de internet, computadores ou redes sociais, e a tecnologia de gravação era incipiente, mas nada disso a inibiu de se lançar na criação dum novo género musical, nem de influenciar e inspirar uma geração inteira.

A segunda é que não deixou que o seu enquadramento religioso a impedisse de se afirmar no mundo artístico e de ter contribuído de modo decisivo para as artes, compreendendo que a fé cristã está intimamente associada à música e à alegria, muito embora nem todos pensem assim.

Sister Rosetta Tharpe era uma força da natureza, um rio bravo que não foi possível conter nas próprias margens e veio a inundar de criatividade e arte largos campos por cultivar.

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