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Opinião: E se deixássemos de falar de cor?, por José Brissos-Lino

24 janeiro 2019

O nosso problema é falar frequentemente pela boca dos outros, ou pior ainda, pensar por cabeça alheia. Quantas vezes temos a tendência de opinar sobre o que desconhecemos, como se o mundo nos exigisse um posicionamento constante, imediato, transversal e universal?

Criticando tal prática no meio cristão, escreve Hermes Fernandes (Brasil): “Conheço calvinistas que nunca leram uma linha das Institutas ou do Sínodo de Dort. Citam Agostinho sem jamais terem lido ‘Confissões’ ou ‘A Cidade de Deus.’ Detonam Darwin sem terem lido nem o prefácio de ‘A origem das espécies’. Criticam acidamente Simone de Beauvoir sem nunca terem lido ‘O segundo sexo’. Caem de pau no coitado do Paulo Freire mas nunca leram ‘Pedagogia do Oprimido’. Desdenham de Foucault sem terem lido ‘Vigiar e Punir’ ou ‘A Arqueologia do Saber”.

Em investigação científica sabemos que o senso comum é inimigo da descoberta da verdade, pois muitas vezes aquilo que parece, não é. Em ciência, o estado da arte nunca é estabelecido pelas aparências mas por trabalho de campo, pelo estudo empírico, pela aplicação de instrumentos de pesquisa adequados, devidamente testados e validados. E isso acontece porque, como diz o povo na sua sabedoria milenar, “as aparências iludem”.

Em matéria de fé a coisa agrava-se ainda mais. Isto acontece porque os fiéis, por um lado, dificilmente questionam o património religioso e a cultura espiritual que lhes são passados pela geração anterior, a não ser que abandonem a fé. Por outro lado, os próprios líderes religiosos nem sempre fazem o “trabalho de casa”, isto é, limitam-se a seguir o (mau) exemplo dos fiéis e não estudam, não reflectem nem questionam as suas bases de fé, talvez por insegurança ou comodismo. De facto é bem mais fácil adotar o pensamento desenvolvido por outros do que trabalhar por si mesmo de modo a chegar a conclusões próprias, pessoais. Como dizia o Alberto Caeiro: “Pensar incomoda como andar à chuva”.

No mundo cristão é mais fácil ter um documento escrito com o interdito (os pecados a evitar), para não vir a ter problemas de consciência nem sentimentos de culpa, do que guiar-se pela “lei do espírito de vida” ou “lei da liberdade” de que falava S. Paulo (“Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte” – Romanos 8:2). Afinal, trata-se simplesmente da lei do amor: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mateus 22:36-40).

No confronto com a tradição hebraica o apóstolo escreveu às comunidades cristãs na Galácia a explicar que, na nova aliança, a “lei da liberdade” libertava os fiéis da “maldição da lei” de Moisés, através da qual ninguém poderia ser justificado, já que, quem falhasse num só ponto da lei seria réu de toda ela: “Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos” (Tiago 2:10). E se a lei mosaica era extensa...

Mas tal desiderato implica usar a cabeça e o coração em vez de apenas seguir os trâmites estabelecidos, de forma mecânica e acrítica, o que nos leva a olhar mais para o exemplo do próprio Cristo do que para doutrinas de homens, muitas vezes construídas com base numa dada cultura, plasmada no tempo, em contramão com a essência do Evangelho, que é revestido de universalidade. Até quando passaremos procuração aos outros para pensarem por nós?

Ao publicar esta citação de Karl Marx, o pastor Ed René Kivitz foi alvo de inúmeras diatribes: “Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico e se pode vender. O tempo em que as próprias coisas que até então eram coparticipadas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. Agora de tudo isso se faz comércio. Irrompeu o tempo da corrupção universal ou, para falar em termos de economia política, inaugurou-se o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal, é levada ao mercado para receber o seu preço.” Gostava que me dissessem se há aqui algum erro, alguma falta de verdade.

Aliás, Marx é conhecido entre os não marxistas como alguém que conseguiu fazer um excelente diagnóstico económico, social e político das sociedades suas contemporâneas. O grande falhanço do marxismo foi, sim, a posologia para atacar a doença. Isto é, as propostas avançadas para corrigir as grandes injustiças sociais, em particular as que foram levadas à prática por quem pegou na sua herança filosófica. Goste-se ou não, a verdade é que Karl Marx integra um seleto grupo de cinco judeus que mudaram o mundo, com Jesus, Moisés, Einstein e Freud.

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Imagem: Nicolas Hansen/ Getty Images