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Notícias

Opinião: Jornalixo por José Brissos-Lino

27 novembro 2019

Chamemos-lhe jornalismo “criativo”, em vez de fake news ou jornalismo de fabricação, tablóide ou mesmo de sofreguidão. Independentemente da nomeação, é coisa que não nos interessa. De todo.

Recentemente sucederam dois episódios dignos de antologia. O primeiro tem a ver com o trabalho que uma estação de televisão fez com o caso das crianças supostamente roubadas à mãe dum infantário da IURD, há uns bons anos.

Esse canal generalista cavalgou a temática até à exaustão com programas longos em hora nobre e em dias seguidos, qual telenovela. Incluiu debates com comentadores, juristas, magistrados, técnicas de serviço social e jornalistas entre pessoas de outras profissões e ocupações. Para criar maior dramaticidade apresentou, por detrás dum biombo translúcido, uma mulher a quem os filhos terão supostamente sido roubados, a fim de não poder ser identificada.

A ideia que se passou ao público foi de que teria havido um conluio entre diversos responsáveis públicos, ou pelo menos negligência grosseira, de modo a lesar aquela pobre mulher e a beneficiar a família do líder neopentecostal daquele grupo religioso de origem brasileira.

Levada à justiça, a mãe das duas crianças que foram adotadas por elementos da IURD, admitiu agora perante a juíza de instrução criminal que mentiu quando falou em “roubo” dos filhos e na sua assinatura putativamente falsificada num documento, assumindo ser “falso que alguma vez a IURD ou qualquer pessoa com ela relacionada tenha roubado os seus filhos”. Pelo contrário, declarou em documento escrito estar grata pelos bons cuidados e carinho com que a instituição e os pais adotivos trataram os seus filhos.

A mulher juntou ao documento entregue ao tribunal um pedido de desculpas, garantindo que nunca pretendeu ofender o bom nome e prestígio da instituição, acrescentando que foi manipulada pela responsável pelo programa “O Segredo dos deuses” para confirmar ao público uma história falsa e sensacionalista criada por aquela jornalista “em nome das audiências”.

O segundo episódio é mais recente e relaciona-se com o episódio do bebé encontrado no lixo em Lisboa. Se o primeiro caso terá sido fabricado de forma inescrupulosa pela comunicação social, aqui trata-se de um exemplo de “precipitação”, como lhe chama o “Público”.

O bebé deixado pela mãe no ecoponto em Santa Apolónia não foi resgatado apenas pelo sem-abrigo que ficou com esses louros em exclusivo, mas também por outros dois homens que vivem na rua como ele. Até Marcelo Rebelo de Sousa agiu sem dispor de informação exacta sobre o que tinha acontecido e correu a encontrar-se com o “herói”, com as televisões atrás, tendo daí surgido até a promessa de uma casa para ele. Ou seja, o presidente deu um passo em falso, no afã de ser mais rápido do que o vento a intervir em público. Confrontado com o facto, chutou para canto como era de esperar.

O imediatismo da informação comporta riscos elevados, mas a comunicação social assume-os cada vez mais em nome duma luta corpo a corpo com as redes sociais. O jornalismo cede assim o seu valor mais precioso – a confirmação dos factos e o espaço para o contraditório – de modo a não chegar tarde ao público. Abandona igualmente a sua vocação única, de fazer a mediação entre os acontecimentos e os consumidores da informação, tornando-se uma caixa-de-ressonância semelhante aos que debitam num teclado de computador tudo quanto sabem ou julgam saber, o que ouvem ou julgam ouvir e o que vêm ou julgam ver, sem preocupações de rigor.

Felisbela Lopes diz que o “jornalismo assenta cada vez mais no imediatismo e das fontes de informação que de uma forma apressada fazem julgamentos lineares sobre factos complexos”. Basta ler as caixas de comentários dos jornais online para perceber que há gente capaz de dizer tudo, quase sempre escondendo-se atrás do anonimato.

Ambos os casos são preocupantes enquanto sintomas. Se no primeiro parece ter havido toda uma fabricação (falsificação) dos factos com vista a produzir um determinado efeito nos telespectadores, o que é gravíssimo, no segundo trata-se essencialmente de precipitação e uma falta de verdadeira prática jornalística, que terá levado ao engano o país e até a presidência da república.

Numa das suas viagens missionárias o apóstolo Paulo e o companheiro Silas deslocaram-se a Bereia e anunciaram o evangelho na sinagoga dos judeus: “Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalónica, de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim. De sorte que creram muitos deles, e também mulheres gregas da classe nobre, e não poucos homens” (Actos 17:11-12).

Acontece que os tessalonicenses rejeitaram prontamente a “boa nova”, mas os bereanos confirmaram-na ao conferi-la com a lei e os profetas (textos do Antigo Testamento). Hoje é ao contrário, acredita-se logo em tudo e não se verifica nada. Por isso estamos como estamos.

Artigo Visão

Imagem: D.R.