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Opinião: Matar é cobardia, coragem é conviver! por José Brissos-Lino
21 março 2019
Imaginemos que um islamita armado entrava num domingo na Sé de Lisboa e assassinava cinquenta católicos, entre adultos e crianças. Foi o que fez o supremacista branco Brenton Tarrant, só que os mortos são muçulmanos, abatidos em duas mesquitas de Cristchurch. Para alguns é mais fácil a cobardia do assassinato do que a coragem da convivência.
O recente massacre de meia centena de emigrantes e refugiados muçulmanos em duas mesquitas da Nova Zelândia, quando estavam reunidos em oração, não choca apenas o mundo civilizado ou o Islão. Deveria envergonhar a espécie humana. A primeira-ministra, Jacinda Ardern foi firme: “Muitos dos afetados por este ato de violência são migrantes e refugiados. Esta é a sua casa. Eles são nós. Quem perpetrou isto não é”, reagindo à tragédia no Twitter e em conferência de imprensa. O objectivo confessado do terrorista australiano, que deixou um longo manifesto de ódio e se apresentou como fascista, racista e admirador de Donald Trump, era “criar uma atmosfera de medo” e “incitar à violência” contra os muçulmanos. Por isso este extremista de direita filmou o massacre e transmitiu-o em directo na internet. Ainda tinha bombas no carro prontas a explodir.
Não podemos ignorar os sinais preocupantes à volta da carnificina. No dia seguinte verificou-se uma relativa indiferença do mundo cristão face à tragédia, excepto a mensagem do Papa e alguns sites protestantes que fizeram eco do apelo solidário da Rede Cristã da Nova Zelândia, que expressou horror e grande tristeza pelos ataques: “Os ataques são totalmente aterradores e serão deplorados por todas as pessoas da Nova Zelândia de todas as religiões ou de nenhuma”, exortando à oração por “todas as famílias e comunidades que serão profundamente afectadas, e a oferecer-lhes apoio de todas as formas possíveis” (Evangelical Focus).
A Aliança Evangélica Mundial (WEA) só reagiu mais tarde, tendo o ataque ocorrido no mesmo dia em que apresentou uma declaração verbal no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, denunciando o populismo nacionalista. Além disso, como parte do esforço para construir pontes de respeito e compreensão entre pessoas de diferentes religiões e sem fé, a WEA também se tem empenhado em dialogar com o Islão há muito, como é o caso da participação na Conferência Global sobre Fraternidade Humana, em Abu Dhabi, no mês passado. Os cristãos não podem fazer outra coisa se acaso aprenderam algo com o episódio do bom samaritano, onde Jesus Cristo quis explicar quem é o nosso próximo. Mas o histórico mostra que nem sempre os cristãos conseguem olhar os muçulmanos como próximos e vice-versa.
Ao assumir-se como admirador de Donald Trump este terrorista revela que se devem responsabilizar política e moralmente os políticos que, na oposição ou no poder, alimentam um discurso de ódio contra sectores da sociedade global. Tais líderes políticos e governantes não podem sair incólumes deste tipo de situações. Têm que assumir as suas responsabilidades. Não podem andar todos os dias a instilar ódio contra estrangeiros, emigrantes e refugiados, contra pessoas com outra cor de pele, fiéis de outras tradições religiosas e contra quaisquer minorias, promovendo um clima de ódio, e depois lavar as mãos quando acontece isto.
O conceito de espaço sagrado, que até em situações de guerra é normalmente respeitado e considerado neutro, perdeu validade. Isto deve-se a uma sociedade secularizada em défice de respeito pelos direitos humanos e que não reconhece nem respeita a fé alheia, que é tão legítima como a sua ou como a ausência de fé religiosa.
Cada vez se comprova mais o imperativo de implementar, promover e aprofundar o diálogo inter-religioso em nome da paz entre os povos e do desenvolvimento da humanidade. Torna-se indispensável combater os estereótipos culturais e religiosos que levantam muros de separação entre seres humanos em vez de lançar pontes que aproximam. O reconhecimento da existência legítima de outras culturas, religiões e civilizações não pode amedrontar quem está seguro da sua própria identidade.
A presunção de superioridade moral só será posta em causa através do conhecimento do outro e da descoberta do que ele nos acrescenta. O monopólio da verdade não pertence a ninguém e todos têm rabos-de-palha históricos. Segundo Catarina Belo, especialista em Filosofia Islâmica e professora da Universidade Americana do Cairo: “a violência não faz parte da essência do Islão”. Ou como disse um imã: “Estes extremistas não representam a maioria dos neozelandeses, do mesmo modo que os muçulmanos extremistas não nos representam”.
Mas ainda há sinais de esperança. As sinagogas judaicas na Nova Zelândia fecharam no sábado seguinte: “Oferecemos toda a assistência e apoio à comunidade muçulmana e estamos unidos a ela contra o flagelo do terrorismo e do racismo, que devemos fazer tudo o que pudermos para banir da Nova Zelândia. Estamos a orar por todos os afectados e suas famílias.” É que, além da solidariedade, amanhã pode ser (de novo) a vez dos judeus ou dos cristãos.