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Opinião: O califado morreu? "A grande aposta do Estado Islâmico será a África" por Paulo Mendes Pinto

7 maio 2019

O continente africano é uma região atrativa para grupos como o Estado Islâmico e outros movimentos extremistas que se aproveitam da fragilidade das estruturas sociais e políticas de muitos países, como defende um especialista em ciências das religiões.

Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciências das Religiões da Universidade Lusófona, afirma que os atentados extremistas “têm ocorrido em quase todo o globo”, e que se assiste a um “movimento global que atua de forma global” e vê África como um terreno ideal para se implantar.

A queda do autoproclamado Estado Islâmico na Síria e no Iraque não significa o fim do grupo, segundo observa: “simplesmente, apontaram o seu olhar” para outros territórios, e tentam agora reorganizar-se em geografias que lhes são mais favoráveis.

“Na Ásia [onde os recentes ataques concertados no Sri Lanka provocaram a morte a mais de 250 pessoas] têm surgido algumas células, mas a grande aposta do Estado Islâmico e dos movimentos próximos será em África onde acreditam que lhes será possível tentar recriar um califado”, explica à agência Lusa.

A facilidade da propagação dos extremismos em África tem algumas justificações: além de ser uma região com países que enfrentam “graves problemas sociais” que facilitam a disseminação de movimentos antissistema e a radicalização de populações que se sentem oprimidas, existem também estruturas de poder “bastante frágeis” a nível local ou central, o que auxilia a criação de poderes paralelos.

“Países com estruturas sociais e políticas muito frágeis não têm instrumentos para estar atentos a quem vem, passa e fala, a quem se vai instalando”, sublinha o investigador.

Por outro lado, “a sociedade está muito partida e há uma representação mais acentuada dessa polarização nos ‘media’ o que leva o cidadão comum a achar que estamos numa época de extremos, acentuando o sentimento de insegurança e de medo”, explica.

O fenómeno da radicalização é complexo, e as mensagens atingem diferentes destinatários: além de “gente que já estava nas margens, muitas vezes ligada ao pequeno crime”, cativam também cidadãos socialmente integrados e que “nada levaria a crer que seguiriam essa via, como o saudita fundador da Al-Qaida, Osama Bin Laden ou alguns bombistas suicidas envolvidos nos atentados do Sri Lanka, ligados a famílias que fizeram fortuna com o comércio de especiarias”.

Paulo Mendes Pinto enquadra-os no que define como os “desiludidos da globalização”.

São “pessoas que não encaixam, que não encontram lugar, que não tem expectativas. Estão desiludidos com o momento social que se vive e acho que é muito por aí que temos de encaixar as várias radicalizações que vemos hoje, seja entre os ‘coletes amarelos’, seja entre os extremistas religiosos”.

O responsável da Universidade Lusófona considera que as pessoas se sentem mobilizadas porque acreditam que as suas ações podem desencadear uma mudança.

“É uma vontade de agir, de mudar, contra um modelo ocidental” representado por uma sociedade cristã ou laica e que assume estilos de vida que se enquadram no que é percecionado como “uma sociedade que está em decadência, que está em degenerescência, que está cheia de pecados e de falhas e que tem de ser mudada”, salienta o especialista

Questionado sobre o regresso de ex-combatentes do Estado Islâmico e respetivas famílias aos seus países de origem, Paulo Mendes Pinto manifestou-se otimista quanto aos pressupostos do sistema penal vigente, montado no pressuposto de que a regeneração e a reintegração social são possíveis, mas admite que há riscos.

“Eu, pessoalmente, acredito que existe um enquadramento que os pode integrar na sociedade, mas as doses de risco são grandes: podem tornar-se agentes de recrutamento ou ter cometido crimes que devem ser averiguados e punidos”, comenta, adiantando que “não há uma solução que se possa aplicar a todos os casos”.

Artigo TSF

Foto: Bassam Khabieh/Reuters (arquivo)