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Opinião: Um estranho rio que corre ao contrário, por José Brissos-Lino

28 março 2019

Pode parecer estranho, mas num país com uma população tão diversificada como é o Brasil, a intolerância religiosa cresce e assume contornos preocupantes. Mas parte do problema parece estar nas lideranças mediáticas neopentecostais.

Portugal, segundo um estudo recentemente divulgado e dirigido pelo Prof. Alfredo Teixeira, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (“Identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa”), não regista intolerância religiosa, apesar da diversidade já verificável em particular na Grande Lisboa. Esta investigação revela a preocupação de cobrir todo o espectro religioso português, mesmo face às transformações mais recentes, e arriscando até novas classificações, do que resulta, a nosso ver, um enriquecimento metodológico do ponto de vista da sociologia das religiões.

O trabalho de campo deparou-se com as dificuldades esperadas em estudar comparativamente religiões de forte praxis comunitária/coletiva (ex: evangélicos/protestantes, católicos, testemunhas de Jeová) com outras expressões religioso/filosóficas como o budismo, de natureza diversa mais individual, tendo em conta as práticas cultuais e o exercício mais da meditação do que da oração. Mas apresentou a vantagem de traçar um quadro simultaneamente amplo e minucioso sobre a caracterização sócio-demográfica da população estudada, o seu percurso de vida, literacia religiosa, avaliação da memória religiosa familiar, reprodução da herança religiosa, trajetórias de alteração de posição religiosa ao longo da vida, a desarticulação entre crer e pertencer, a mobilidade territorial, as práticas de fim-de-semana, a privatização do religioso, as redes de amizade e ajuda, a avaliação do sentimento de discriminação religiosa, crenças, práticas orantes e culturais e diversos outros indicadores.

Na sessão solene de encerramento das comemorações dos 50 anos da criação da Comunidade Islâmica de Lisboa, recentemente realizadas e que decorreram na Mesquita Central de Lisboa, o primeiro-ministro, António Costa, no seu discurso destacou a convivência pacífica entre crentes de diferentes religiões que existe em Portugal, afirmando que o Estado laico “não deve ignorar os sentimentos religiosos dos cidadãos”, mas antes tratar a todos por igual, acrescentado que “temos de garantir que a identidade de cada um assuma os direitos do outro”. Portanto, não temos com que nos preocupar, para já, com esta matéria.

Já o Brasil tem vindo a confrontar-se com um problema crescente de intolerância religiosa, sendo que o Rio de Janeiro apresentou o maior número de denúncias (32), seguido por Minas Gerais (29) e São Paulo (27). De facto as estatísticas do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR) referentes ao estado do Rio são alarmantes. Segundo um relatório recente 71,15% dos casos envolviam as religiões afro-brasileiras, mais afectadas por esse tipo de discriminação. Todavia registou-se um aumento de intolerância contra muçulmanos, nos últimos anos, o que pode estar associado a factos internacionais ligados às acções do Estado Islâmico. O documento foi lançado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e é fruto de uma parceria entre a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e o Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER) do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O facto de se verificar um problema de intolerância religiosa numa população tão diferenciada como a do país irmão, com uma mescla de origens europeias, africanas e índias, é um claro sintoma de disfunção social. Face a uma diversidade étnica tão expressiva seria natural a aceitação duma diversidade cultural e religiosa consolidada. A raiz do problema só pode estar no fundamentalismo religioso que tem aflorado em especial desde meados dos anos oitenta, através desse fenómeno chamado neopentecostalismo, que não passa duma forma de populismo religioso, e que apresenta soluções simplistas para situações complexas que preocupam seriamente as pessoas, que infantiliza os fiéis, que vende as bênçãos divinas (uma espécie de novas indulgências), que diaboliza o diferente e desrespeita a fé alheia ou a falta dela. Um Rio que corre ao contrário é sempre estranho.

Mas talvez o problema principal esteja mais exactamente na mediatização de algumas lideranças desses grupos religiosos, com claras ambições de controlo social e político, que enriquecem à custa da fé dos simples e conseguem impacto mediático ao dominar rádios e televisões. Eles assumem bandeiras de exclusão à boa maneira populista, dividindo a sociedade entre nós e eles, entre bons e maus. Mas quanto a esses, talvez Jesus lhes venha a dizer um dia: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demónios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mateus 7:21-23).

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