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Três pontos num Sínodo sobre a Família

28 junho 2016

Joaquim Franco, jornalista da SIC e investigador da Área de Ciência das Religiões, acompanhou de perto o Sínodo dos Bispos sobre a Família que decorreu no Vaticano, entre 5 a 19 de Outubro.

Veja aqui a reflexão e conclusões

Estar aberto ao diálogo implica pensar com o diferente assumindo a legitimidade da diferença, sem que isso signifique destruir os alicerces da convicção.

Nos ecos do Sínodo extraordinário sobre a família, ouve-se o rumor dos corredores.

Há quem queira por Ratzinger contra Bergoglio, papa contra papa.

Até há quem questione a legitimidade da eleição de Bergoglio.

Nada de novo.

Estamos entre as tendências imobilistas da Igreja e as denominadas «esquerdas».

A novidade está na forma.

Francisco desafiou a Igreja a não ter medo de falar de si própria.

As naturais dissonâncias, por vezes profundas, são agora do domínio público e estilhaçam alguns «telhados de vidro».

As aparentes divergências na discussão sobre os divorciados recasados e outras «fraturas», exigem que se sublinhe um facto: Como qualquer outra instituição com peso no tempo e no espaço, a Igreja não é, nunca foi, um edifício monolítico ou monocórdico.

Quando tentou ser, deixou de estar ao serviço do homem.

Lembrando a atitude pastoral do papa Francisco, diante de uma pessoa está outra pessoa antes da sua condição de ser.

Um princípio que ele aplica transversalmente, dos denominados temas difíceis ao acolhimento nas comunidades.

A misericórdia e a justiça sempre foram um drama na Igreja e só há comunidade cristã na medida em que, pela consciência da ação individual e pela capacidade comunitária de exercer a misericórdia e a justiça, esta se revela fiel ao «seguimento».

Ora, será o «seguimento» um mero composto de verdades encerradas?

Ou uma procura, um processo de acolhimento na certeza única de que o Deus dos cristãos se revela no e pelo outro, com as suas fragilidades e virtudes?

Desistir não faz parte deste alfabeto, porque para o Deus dos cristãos não há excluídos, nem há excluídos da tarefa de construir a história.

Se há separações trágicas, também há separações que evitam grandes tragédias.

Como defender a família sem enaltecer a capacidade (re)construtiva, o dom e potencial das mais íntimas relações humanas, que fazem dos fracassos novas oportunidades?

Na linguagem da fé cristã, o Espírito atua e está onde menos se espera e não precisa de tutelas.

A mensagem evangélica tem um tremendo peso ético e o evangelho coloca os cristãos diante de uma evidência: tendencialmente incoerente, o exercício da fé cristã é a arte de andar entre o “quero”, o “posso” e o “devo”, não para satisfazer equilíbrios mas para construir impossíveis.

As utopias do Reino só o são até deixarem de o ser. Caso contrário, Jesus seria uma causa perdida.

À ousadia pastoral com a libertação da teologia, Francisco faz corresponder sempre a promoção da consciência social e comunitária.

Leiam-se os textos evangélicos dos quais se extraiu o princípio da indissolubilidade do matrimónio, que tem condicionado debates até à cegueira exegética.

Estão cheios de palavras radicais sobre responsabilidade social, partilha e serviço – “vende tudo e dá o dinheiro aos pobres” (Mc, 17 – 27).

Na perspectiva evangélica, tudo está ligado de forma coerente, mas há um abismo entre a Palavra do Deus cristão e a ação dos cristãos, no dia-a-dia, nas comunidades, em família.

Misturam-se conceitos e preconceitos.

Enaltecem-se uns valores, esquecendo outros.

Se o cristianismo também produz ideias será possível defender ativamente a família sem promover a capacitação social e políticas reais de apoio às famílias?

Sem combater ativamente as desigualdades que eternizam os mecanismos de pobreza?

Sem defender ativamente o melhor acesso à saúde, à educação, a apoios sociais que mantenham a dignidade humana?

A família – a que os católicos chamam «Igreja doméstica» – só será mais do que apenas o somatório das partes, casa-primeira de um Outro, embrião e escola de responsabilidade, relação e afeto, na medida em que se constituir também como plataforma de afetos não reprimidos, de relações verdadeiras, de corresponsabilidade e libertação das coisas não visíveis.

Não consta que Mário Benedetti – revolucionário nas lutas sul americanas – estivesse preocupado com uma dimensão teológica da vida, mas o poeta uruguaio revelou a cumplicidade de uma paixão que tem tanto de humano como de Eterno: “Si te quiero es porque sos, mi amor mi cómplice y todo, y en la calle codo a codo, somos mucho más que dos (...) Y porque amor no es aureola, ni cándida moraleja, y porque somos pareja, que sabe que no está sola”...

Joaquim Franco

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