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Visão:"Quando a religião faz mal à saúde" por José Brissos-Lino
26 outubro 2018
Nas últimas décadas tem vindo a ser estudado o Síndrome do Trauma Religioso (STR), isto é, a condição clínica das pessoas que vivem a experiência de abandono dum meio religioso autoritário e castrador. Mas a religião está muito para lá disto.
Sair duma comunidade controladora torna-se um percurso difícil, que origina confusão de conceitos e quebra de modelos pessoais, podendo até produzir sintomas semelhantes aos do Transtorno de Stresse Pós-Traumático, que muito militares trazem consigo de regresso a casa, em consequência da destruição, sofrimento e morte vividos em teatro de guerra.
Os investigadores afirmam que, apesar de cada pessoa os viver a seu modo, os impactos de ambos prolongam-se no tempo, e são caracterizados por “pensamentos intrusivos, estados emocionais negativos, convivência social deficiente, confusão mental, dificuldade em tomar decisões e pensar por si mesmo, falta de sentido ou direcção na vida, baixa autoestima, ansiedade de estar no mundo, ataques de pânico, medo da condenação, depressão, pensamentos suicidas, distúrbios do sono e alimentares, abuso de substâncias, pesadelos, perfeccionismo, desconforto com a sexualidade, imagem corporal negativa, problemas de controle de impulso, dificuldade de desfrutar o prazer ou estar presente no aqui e agora, raiva, amargura, traição, culpa, sofrimento e perda, dificuldade em expressar emoções, ruptura da rede familiar e social, solidão, problemas relacionados com a sociedade e questões de relacionamento pessoal.”
Alguém comparou a dificuldade em sair do universo fechado duma comunidade religiosa castradora, à que a mulher vítima de violência doméstica revela em se separar do marido que a maltrata. Também neste caso a vítima sente que a culpa é sua pelos problemas que enfrenta e tende a permanecer na situação na esperança de que as coisas mudem. Fazem-no porque desconhecem frequentemente outras opções de vida possíveis, ou porque têm medo do vazio e não sentem coragem de reconstruir a sua própria realidade, autoestima, senso de identidade, amor-próprio e autoconfiança.
É claro que os grupos religiosos autoritários, também denominados seitas destrutivas, são subculturas onde a conformidade é requisito de admissão, na linha duma fidelização quase canina dos fiéis, mas não caracterizam de perto nem de longe a generalidade do fenómeno religioso, que é transcultural, universal e que acompanhou e acompanhará a existência da espécie humana até ao fim dos tempos.
A verdade é que o ateísmo – outra forma de religião, neste caso uma religião sem Deus – municiará sempre os seus ataques à fé religiosa invocando este fenómeno e esquecendo propositadamente todos os benefícios que as religiões trouxeram na organização e promoção dos indivíduos, na coesão social e nas civilizações humanas.
A verdade é que, se quisermos ser honestos, teremos de reconhecer que existem inúmeros grupos religiosos que reúnem pessoas, promovem o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal, tendo por isso que ser considerados integrativos e saudáveis. Tais comunidades de fé atribuem valor ao respeito pelas diferenças e tendem a promover nos fiéis autonomia e empoderamento. Em muitos casos funcionam como centros de apoio social, integram os imigrantes, dão suporte aos mais vulneráveis (desempregados, idosos, pobres, doentes e pessoas enlutadas ou em processo de ruptura relacional). Propiciam actos comunitários integrativos como eventos e ritos de passagem, promovem a partilha e o serviço à comunidade e ao próximo, assim como o empenho e voluntariado nas causas sociais. No plano espiritual promovem práticas de promoção da saúde emocional e mental, como a oração, a meditação e princípios de vida sãos que facilitam o equilíbrio e a harmonia interior.
Já nas seitas destrutivas, a exigência de submissão, a ausência de qualquer espécie de espírito crítico, o autoritarismo, o controlo e a invasão da intimidade pessoal, a ameaça velada ou explícita e a manipulação de sentimentos e emoções, não só condicionam o crescimento pessoal dos fiéis como provocam diversos tipos de danos à saúde.
É muito mais fácil reconhecer os danos causados em vítimas de abuso sexual ou de catástrofes naturais, mas o Síndrome do Trauma Religioso pode não ser menos prejudicial, tanto na fase de imersão em grupo religioso abusivo como no impacto secundário de o abandonar, pois quem se atrever a deixar o grupo, corre o risco de perder igualmente toda a sua rede de referências e apoio relacional (amigos e familiares).
Se é o seu caso, salte fora rapidamente. Lembre-se: Deus não é um tirano. E, como dizia Jesus Cristo: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Evangelho de João 8:36).